Não teremos toda a felicidade do mundo, nem conseguiremos tudo o que quisermos.
Tampouco alcançaremos o sucesso planejado nos esforçando. Não poderemos evitar as doenças e a morte. Não conseguiremos parar o tempo e nos mantermos jovens. Tendo esperança e fé não conseguiremos o resultado pretendido. Fazendo todo o possível para alcançarmos nosso objetivo, não o alcançaremos conforme planejamos. Estudar e se esforçar não garante um bom emprego, nem um salário justo. A promessa em cada uma dessas frases não será cumprida. Existem muitos fatores além do nosso melhor esforço, esperança e fé que compõem a realidade. Não é sobre nós, nem somente nossa responsabilidade individual. Temos uma participação mínima nos resultados, portanto, quando algo dá errado, a responsabilidade não é só nossa. Muitas vezes não conseguimos entender o porquê de algo não ter acontecido como “deveria” ter acontecido porque aprendemos, ao longo da vida, a nos culpar quando isso acontece e a tentar entender onde erramos, quando na verdade, não somos capazes de considerar todos os fatores envolvidos. Alguns são bem óbvios como vivermos em uma sociedade homem-hétero-machista-capitalista-branco-eurocêntrica e de uma grande maioria de explicações dos resultados pretendidos não terem sido alcançados virem daí, porém, nem isso conseguimos considerar. Os valores dessa sociedade são a branquitude, a juventude, a ambição e o poder. Todos participamos desse jogo inconscientemente e somos levados a acreditar que não; que somos nós os responsáveis pela nossa vida, sucesso ou fracasso. Num mundo líquido, onde todos somos tratados como mercadorias e, portanto, valorizados de acordo com a maior quantidade de quesitos “ticados” na lista dessa sociedade, é injusto fazer a promessa meritocrática do esforço como garantia de alcance dos resultados que quase sempre são aqueles valorizados e exigidos por essa sociedade. Estão aí os aplicativos para tudo. São eles que aceleram ainda mais essa pretensa velocidade de conquista dos ideais. Para tudo existe um aplicativo que torna mais rápida e eficiente qualquer demanda de realização “urgente”. Se a urgência for em se relacionar, existe um aplicativo para isso. Se for comer rápido e barato, também. Se for viajar, também tem. Agora também para trabalhar já tem aplicativo e inteligência artificial. Aplicativo de consultas médicas, de apostas, de tudo. Tudo na palma da nossa mão. Nesse mundo as promessas precisam ser feitas mesmo que aqueles que as fazem saibam que jamais poderão cumpri-las. Porque o cumprimento delas, acabaria com a própria dinâmica de funcionamento do mundo humano. É a fantasia de achar que serão cumpridas que sustentam todo o movimento dessa sociedade. Sem essa fantasia que se desdobra em muitas pequenas fantasias, o desejo de ser especial, de conquistar objetivos, de ter o que se quer, não se movimentaria. Fantasia e desejo precisam um do outro e as grandes corporações comandadas por líderes desse movimento dessa sociedade sabem muito bem disso. Porém, por sorte, o mundo não é só humano e não está somente na humanidade o sustento desse planeta, nem do Universo. Existem outras forças participando do equilíbrio desse mundo, ainda que os dirigentes humanos façam questão de ignorá-las. Não há necessidade de reconhecimento, nem de nomeação conceitual dessas forças; teorias também são inúteis. Basta que vejamos que elas existem e entendamos que não é só sobre nós humanos, nem sobre nossas decisões e desejos. Um mundo inteiro não humano e pouco compreendido também participa da mesma realidade. É impressionante o quanto de desinteresse temos por isso. Investimos tanto no saber humano e entendemos tão pouco da natureza. Difícil admitir que haja outras sabedorias, outras formas de vida, que as plantas, os animais, as águas, possam existir sem nós e para nós. Que a vida se sobrepõe à vida humana. E que mesmo nesse mundo planejado humano, ainda assim, e mesmo sem querer que assim seja, haja espaço para o desconhecido, para o mistério e outros saberes vivos, reconhecidos, não-reconhecidos, invisíveis e inomináveis. Deneli Rodriguez. 31.07.2023.
0 Comments
E se esse fosse o seu último ato?
E se tudo acabasse agora? Qual teria sido sua última conversa? Com que tipo de emoção deixaria esse mundo? Com que emoção os outros ficariam na sua partida? É urgente resolver, nada mais pode ser mais importante. É um exercício muito interessante e transformador lembrar-se dessa frase. Todo o drama mental termina. A raiva parece tão pequena diante daquele último instante que acaba por desaparecer. As desavenças tão insignificantes. As coisas que lutamos tanto para conseguir perdem suas funções. As pessoas que deixamos de nos relacionar, por algum motivo, deixam de ser tão ruins. Os planos de futuro perdem o significado. O estado de espírito se transforma imediatamente diante da urgência do último ato. Somos obrigados a perceber que só existe o presente e que é nele que tudo acontece. Que o passado e o futuro são tempos inexistentes, que estarmos atentos a cada ato, a cada instante é a única maneira de vivermos sem conflitos nem sofrimentos. Se agora me desentendo com alguém, agora resolvo porque não há outro dia. A casa está pegando fogo, ajo. Saio o mais rápido possível dali, senão morro. Não há tempo para planejar, refletir nem postergar. A atenção àquele momento me mostra a saída. Só assim consigo sair viva. A casa está pegando fogo, mas vamos jogando um pouco de água aqui e ali. O incêndio não é resolvido. Ficamos dentro da casa, ardendo em chamas, abrandando o fogo, mas não resolvemos o problema. É assim que vivemos: numa casa em chamas, sabendo que precisamos resolver o incêndio, mas sem querer abandonar a casa, vamos queimando, inalando a fumaça e morrendo pouco a pouco, estando vivos. Fazendo esse exercício, estando atentos ao que fazemos e pensamos, quase nunca somos pegos de surpresa, nem deixamos nada para depois contando com um amanhã imaginado. Fomos pegos de surpresa com a necessidade de confinamento e muitos estão tendo que fazer o “custoso” e inevitável trabalho de olhar para si mesmos e avaliar suas escolhas e modo de vida à revelia. Não há como fugir para fora. Não há como ignorar completamente o que se passa dentro (nem fora). Não dá pra criar com todas as ferramentas exteriores uma realidade utópica de valores de consumo que trazem felicidade se não há como consumir além das necessidades básicas. Não dá para mostrar nas redes sociais a vida que se leva em restaurantes, eventos, viagens, compras. Não dá pra planejar. Nunca deu, mas criou-se a ilusão que era possível planejar algo com antecedência e dar certo. O presente só importava se fosse para planejar um tempo futuro. Sonhamos com experiências e coisas. São esses sonhos que nos movimentam a continuar num trabalho detestável para conseguir o dinheiro necessário para realizá-los. O modo de vida capitalista criou a ilusão de que existe o futuro e todos acreditaram. É assim que viagens são planejadas, status de relacionamentos são garantidos e seguros são feitos. Precisamos ter certeza. Tudo precisa ser combinado e comprado com antecedência; tudo é vendido como absolutamente necessário. Planejar o futuro é uma ótima saída para garantir o consumo de coisas absolutamente sem importância. Planejamos tudo e mesmo assim não temos a garantia de sucesso. Grande parte dos planos não sai como o planejado, mas nos esforçamos mentalmente para fazer a realidade se “encaixar” no que sonhamos; no que planejamos. Fazemos aquele relacionamento funcionar para vermos nosso sonho realizado. Esforçamo-nos por gostar de uma viagem, evento ou encontro para não termos que admitir que eles não trouxeram a felicidade que esperávamos e que não valeram a pena. Não queremos admitir que há algo de errado com o jeito que levamos a vida. Não queremos estar errados; não queremos ter que rever o que fazemos e, principalmente, não queremos refletir a respeito das nossas escolhas e motivações. Vamos copiando o estilo de vida dos outros acreditando que eles são felizes. Inventamos que é preciso muito para sermos felizes, mas a pandemia veio mostrar que o que precisamos mesmo é de uma boa saúde física e mental. Que podemos viver cuidando de nós mesmos. Que se ficarmos em casa, esse simples ato, é benéfico a nós mesmos, aos outros e ao meio ambiente. Que afetamos os outros e os outros nos afetam. Que não existe separação. Somos interdependentes. Deneli Rodriguez. 17.02.2021. Psicologicamente nada é real. Vivemos em um mundo construído por nós e acreditamos nele. Somos alguém que foi construído por pensamentos (nossos e dos outros), ideias, hábitos, condicionamentos e conhecimentos.
Criamos estruturas de interesse, como a religião, o trabalho, os estudos; criamos relacionamentos com base nessas construções mentais que fizemos, com base nessa pessoa (que somos nós como nós nos vemos) que construímos e acreditamos. É por isso que ficamos tão ofendidos quando alguém nos vê de um jeito que não gostamos. Queremos que o outro nos veja como nos construímos, como aquela imagem que temos de nós mesmos e que preferimos. É por isso também que não aceitamos que o outro seja o que ele é. Queremos que ele corresponda àquela imagem que construímos dele. É o que somos. É o que fazemos. Desde que nascemos aprendemos a construir alguém. Aprendemos a construir o mundo, preferindo esse ou aquele clima, essa ou aquela cidade, esse ou aquele estilo de vida e, aprendemos que o que não se encaixa nas suas preferências, deve ser modificado para se encaixar. Assim, passamos a vida tentando moldar o mundo de acordo com o nosso mundo construído, criado, inventado e tornado real por nós mesmos. Vivemos trocando de experiências e personagens. Achamos que nos tornamos mais isso ou aquilo. Aprendemos que o progresso depende do acumular, seja ele conhecimento ou bens. Fazemos isso o tempo todo sem nos dar conta de porque o fazemos. Fazemos todas essas construções mentais porque queremos controle. Queremos ter segurança. Segurança interior ou psicológica não existe. Não dá pra saber o que acontecerá amanhã. Não dá pra garantir que nossos planos se realizarão. Deveríamos ser ensinados desde que nascemos que não há garantias e que nem sempre seu melhor esforço vai trazer o resultado pretendido. Querer muito uma coisa não é garantia de consegui-la. Não existem certezas, nem segurança. Nessa busca entramos em sistemas religiosos, políticos, em grupos, famílias e assim por diante. Ficamos num movimento ininterrupto de um conhecimento a outro, de um trabalho a outro, de uma religião a outra, nos medindo o tempo todo. Medição é “tornar-se”, é uma tentativa da mente de medir, controlar, determinar, comparar; é a própria fonte da desordem. A era do capital trouxe uma prática comum do mundo exterior para o campo da mente: a medição. A medição é confusão; é o movimento incessante de comparação. É o querer “aumentar-se”. Não aceitamos a ideia de que a segurança não existe e tudo o que fazemos é para nos sentirmos seguros e no controle. Não somos essas construções mentais que fazemos de nós mesmos. Nem as que os outros fazem de nós, nem as que nós fazemos deles. Nem as que gostaríamos de ser. Deneli Rodriguez. *Texto originalmente publicado em inglês em “news” do Departamento de Psicologia da Stanford University. A nossa consciência não é individual, é coletiva. O meu sofrimento é o mesmo que de todos os outros, de modo que o que chamo de minha consciência é a consciência da humanidade.
A ideia de separação, de que existe alguém melhor e alguém pior, que existe um estado melhor a se alcançar, um modo de vida melhor, e assim por diante, essa ideia (que é só uma, mas que parecem várias), é a causa de todo o conflito entre nós. Quase tudo, no reino humano, foi criado pelo pensamento. Toda a forma de conhecimento, da filosofia à medicina foi criada pelo pensamento humano. Todas as relações que experimentamos também são criadas pelo pensamento. Relacionamo-nos com a imagem que fazemos do outro. Assim, o pensamento é extremamente importante para nós. No entanto, sabemos, o pensamento é limitado, justamente porque é baseado em construções e condicionamentos, gerando sempre divisão, conflito. Nunca nos olhamos, nunca nos perguntamos se podemos nos livrar desses hábitos como fazemos com tantos outros. Dizemos para nós mesmos que já que vamos morrer mesmo, um pouco mais de prazer, não fará mal. O desejo de experimentar algo fora do comum, de alcançar algo que nos fará mais feliz; de viver uma vida extraordinária, de ser reconhecido, especial, importante, admirado, único, de ter experiências espirituais profundas, visões, esses são alguns exemplos dos motivos para perpetuamos as ilusões. A crise não está no mundo lá fora, a crise está na nossa consciência, nos nossos pensamentos, conceitos, ideais, crenças. Está nos nossos problemas, prazeres, nos nossos planos de futuro, no que pensamos sobre tudo; está no conteúdo da nossa consciência. Esse é o conteúdo da consciência de qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo. Assim, a nossa consciência é comum à toda humanidade. O amanhã não é uma realidade, é uma invenção do pensamento para nos dar uma ideia de continuidade, de segurança. Se o amanhã não existe e somos uma consciência, para alterarmos o conteúdo, precisamos ver todas as invenções do pensamento. Ver é entender a realidade. É o fim do sofrimento e do futuro. Deneli Rodriguez. 25.01.2021. COERÊNCIA
Discurso e prática devem estar alinhados. Não pode haver um abismo. Existem situações que são tão incoerentes que são óbvias, mas existem aquelas que são sutis, aquelas em que não sabemos as bases em que o outro age. Se levarmos isso para o campo das relações amorosas fica ainda mais difícil de medir, já que entram as expectativas, as projeções e o jeito de ser do outro. Talvez os sinais de “eu te amo” pra um sejam completamente diferentes dos sinais de “eu te amo” do outro. Pra um, dizer eu te amo pode ser muito difícil (porém sentido verdadeiramente) e pra outro muito fácil. Talvez pra um, se sentir amado, tenha a ver com atenção, presença, demonstrações românticas e para o outro, nada disso ser importante já que ele sabe o que sente e, portanto, não tem a necessidade de receber tanto, nem expor tanto. Talvez um goste de falar mais, de fazer mais, de estar mais junto e talvez o outro não. Talvez o que você acha que o outro não quer te dar, não seja um querer, mas um não ter. Lembre-se que as medidas de coerência são suas e que o outro não tem culpa se não atender às suas expectativas. A responsabilidade por ficar numa situação incoerente, sem paz e infeliz é sua, assim como a responsabilidade de saber os seus limites também é sua. Não é porque você disse para o outro o que você precisa que ele tem que fazer o que você disse. Você pode medir se o que o outro te dá, te faz bem, te faz feliz e, se é o suficiente pra você. Essa medida é só sua, ninguém está na sua pele, ninguém tem as suas necessidades, ninguém pode te dizer quais são os seus limites e até onde você pode ir. Ninguém pode te fazer permanecer numa relação ou situação além de você mesmo. Se na sua análise, na sua avaliação, houver incompatibilidade de valores, ainda que você goste muito da pessoa, vai ser bem difícil sustentar essa relação com coerência. Ir embora seria a melhor opção. No entanto, somos induzidos a permanecer nos padrões socialmente impostos como normais onde existe uma grande valorização da persistência, da superação das dificuldades, dos laços construídos com grande sacrifício. Somos induzidos a gostar do que foi difícil conquistar e construir. Apegamo-nos ao que ou àqueles que nos exigiram grandes investimentos e sacrifícios. É assim que continuamos amizades e relações que começaram há muitos anos e que não fazem mais sentido. É assim que “passamos o pano” pra discursos e relações intolerantes em nome da amizade de longa data e de laços familiares. É assim também que aumentamos a nossa incoerência. Vamos nos fragmentando para acomodar pessoas e relações que não partilham de bases de valores importantes para nós. É um peso extra que carregamos nas nossas já pesadas bagagens emocionais. Parece errado deixar que as relações acabem porque somos condicionados a valorizar o que nos levou a investir mais. Em nome desses conceitos capitalistas de retorno de investimento, mantemos relações desnecessárias, perigosas, abusivas, intolerantes. Temos medo de não termos a quem recorrer num futuro imaginado que precisemos de suporte. Aguentamos amigos e familiares que em nada partilham de nossa base de valores. Não deixamos espaço para o novo, para o desconhecido. Estamos lotados de investimentos passados aguardando o retorno no futuro. Deixamos de viver em paz no presente para viver em tempos que não existem em nome de conceitos e padrões que nem questionamos. Estamos exaustos. Claro. Não sobra energia para nada quando vivemos assim. Deneli Rodriguez. 02.01.2021. A nossa consciência não é individual, é coletiva. O meu sofrimento é o mesmo que de todos os outros, de modo que o que chamo de minha consciência é a consciência da humanidade.
Nada temos de individual, mas crescemos acreditando que somos indivíduos, justamente para sustentar as ideias de separação, de que existem seres humanos superiores e inferiores, melhores e piores e toda essa baboseira que inventaram e nós acreditamos. Acreditamos, assim como os que vieram antes de nós também acreditaram e, se não vermos que é assim que é agora, os que virão, vão perpetuar todas essas mentiras. A ideia de separação, de que existe alguém melhor e alguém pior, que existe um estado melhor a se alcançar, um modo de vida melhor, e assim por diante... Essa ideia (que é só uma, mas que parece várias) é a causa de todo o conflito entre nós. Quase tudo, no reino humano, foi criado pelo pensamento. Toda a forma de conhecimento, da filosofia à medicina foi criada pelo pensamento humano. Todas as relações que experimentamos também são criadas pelo pensamento. Relacionamo-nos com a imagem que fazemos do outro. O pensamento é extremamente importante para nós. No entanto, sabemos, o pensamento é limitado, justamente porque é baseado em construções e condicionamentos, gerando sempre divisão, conflito. Nunca nos olhamos, nunca nos perguntamos se podemos nos livrar desses condicionamentos. Usamos o fato de estarmos envelhecendo como justificativa para mantê-los. Dizemos para nós mesmos que já que vamos morrer mesmo, um pouco mais de distração, não fará mal. O desejo de experimentarmos algo fora do comum, de alcançar algo que nos fará mais feliz, de viver uma vida extraordinária, de ser reconhecido, especial, importante, admirado, único, de ter experiências espirituais profundas, visões; esses são alguns exemplos dos motivos para perpetuamos os condicionamentos. A crise não está no mundo lá fora, a crise está na nossa consciência, nos nossos pensamentos, conceitos, ideais, crenças. Está nos nossos problemas, nos nossos planos de futuro, no que pensamos sobre tudo, ou seja, no conteúdo da nossa consciência. Esse é o conteúdo da consciência de qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo. Assim, a nossa consciência é comum a toda a humanidade. Como sair disso? A meditação é a saída. A meditação não é um método, um sistema para alcançar algo. É o descondicionamento, sem opiniões, sem conflito, sem divisão. É a ação completa. Meditação é diferente de concentração. Na concentração, focalizamos a mente em determinado objeto. É um esforço do pensamento. A meditação é atenção plena. É observar justamente as mentiras que estamos contado para nós mesmo. É descobrir como viver no mundo sem a projeção das nossas ideias, pensamentos, condicionamentos e construções. A observação é em si mesma ação. Essa atenção ao que acontece no conteúdo da nossa consciência é ação, pois assim que percebo o quanto de histórias estou inventando, percebo o quanto dessas histórias preciso sustentar para manter as emoções, sensações, medos, prazeres, apegos, ideias, julgamentos... Acesso a cadeia de conflito, a cadeia de pensamentos que está sempre baseada na memória, nas histórias que me contei no passado. Entender tudo isso traz a ordem que tanto buscamos. Deneli Rodriguez. 03.07.2020. RESSENTIMENTO
O perdão é só uma vez, o ressentimento não. Para se manter o ressentimento é preciso acordar todos os dias lembrando o quão ressentido estou. O quanto o outro me fez sofrer. É preciso empregar uma quantidade de energia remoendo o que o outro me fez, lembrar-se da emoção, da sensação, dos sentimentos, dos pensamentos e combinar tudo isso. Aprofundar a história que estou contando pra mim mesmo pra sustentar o ressentimento. Dá muito trabalho, é um esforço diário, se não for horário. Emprega-se muito tempo pensando sobre isso, falando disso, alimentando isso. É necessário nutrir esse ressentimento, aumentá-lo, vivê-lo, com bastante frequência. O perdão é só uma vez. Perdoei, acabou. Não há nada a ser alimentado, estimulado, lembrado, repassado à exaustão. O que é de fato perdoar? É entender os motivos do outro e principalmente entender que o que eu senti, foi uma interpretação minha de ofensa. Se eu me ressinto, é porque algo ou alguém não foram o que eu esperava. Alguma atitude do outro foi levada como um dano pessoal a mim. O ressentimento e o perdão são assuntos de ofensa pessoal. Se posso entender que não tenho controle sobre as atitudes do outro, sobre o pensar e agir do outro, entendo que nada que o outro faça pode dizer respeito a mim. O que o outro faz é dele. É ele quem tem que lidar consigo mesmo. Logo o ressentimento é algo meu, que eu criei e alimentei com relação ao outro. Quando me livro do ressentimento entendendo que ele é o meu esforço para criá-lo e mantê-lo, automaticamente, perdoo. Acaba. Temos pouca ou nenhuma energia porque passamos grande parte do tempo alimentando nossas criações emocionais. É um esforço constante manter as emoções ativas dia após dia. Não sobra nada ou quase nada de energia. Energia essa que poderia estar sendo usada para uma investigação séria sobre nós mesmos. Investigar sobre nós mesmos é investigar sobre a humanidade, a vida e a criação. Existe assunto mais importante e urgente do que esse? Deneli Rodriguez. 24.05.2019. O FUTURO DA HUMANIDADE
A nossa consciência não é individual, é coletiva. O meu sofrimento é o mesmo que de todos os outros, de modo que o que chamo de minha consciência é a consciência da humanidade. Nada temos de individual, mas crescemos acreditando que somos indivíduos, justamente para sustentar as ideias de separação, de que existem seres humanos superiores e inferiores, melhores e piores e toda essa baboseira que inventaram e nós acreditamos. Acreditamos, assim como os que vieram antes de nós também acreditaram e, se não vermos que é assim que é agora, os que virão, vão perpetuar todas essas mentiras. A ideia de separação, de que existe alguém melhor e alguém pior, que existe um estado melhor a se alcançar, um modo de vida melhor, e assim por diante, essa ideia (que é só uma, mas que parecem várias), é a causa de todo o conflito entre nós. Quase tudo, no reino humano, foi criado pelo pensamento. Toda a forma de conhecimento, da filosofia à medicina foi criada pelo pensamento humano. Todas as relações que experimentamos também são criadas pelo pensamento. Como já foi dito inúmeras vezes, nos relacionamos com a imagem que fazemos do outro. Assim, o pensamento é extremamente importante para nós. No entanto, sabemos, o pensamento é limitado, justamente porque é baseado em construções e condicionamentos, gerando sempre divisão, conflito. Por que perpetuamos essas ilusões? Podemos nos livrar delas? Seria possível nos descondicionarmos? Nunca nos olhamos, nunca nos perguntamos se podemos nos livrar desses hábitos como fazemos com tantos outros. Ao contrário, usamos o fato de estarmos envelhecendo como justificativa para mantê-los. Dizemos para nós mesmos que já que vamos morrer mesmo, um pouco mais de prazer, não fará mal. O desejo de experimentarmos algo fora do comum, de alcançar algo que nos fará mais feliz. De viver uma vida extraordinária, de ser reconhecido, especial, importante, admirado, único, de ter experiências espirituais profundas, visões, esses são alguns exemplos dos motivos para perpetuamos as ilusões. A crise não está no mundo lá fora, a crise está na nossa consciência, nos nossos pensamentos, conceitos, ideais, crenças. Está nos nossos problemas, prazeres, nos nossos planos de futuro, no que pensamos sobre tudo, ou seja, no conteúdo da nossa consciência. Esse é conteúdo da consciência de qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo. Assim, a nossa consciência é comum a toda a humanidade. A meditação é a única saída. A meditação é a capacidade de uso total do cérebro, sem divisões. O cérebro age por inteiro, não está mais condicionado a agir parcialmente. A meditação não é um método, um sistema, para alcançar algo. É o descondicionamento, sem opiniões, sem conflito, sem divisão. É a ação completa. Meditação é diferente de concentração. Na concentração, focalizamos a mente em determinado objeto, é um esforço do pensamento. A meditação é atenção plena. A observação é em si mesma ação. Essa atenção ao que acontece no conteúdo da nossa consciência é ação, pois assim que percebo o quanto de histórias estou inventando, percebo o quanto dessas histórias preciso sustentar para manter as emoções, sensações, medos, prazeres, cesso a cadeia de conflito, a cadeia de pensamentos que está sempre baseada na memória, nas histórias que contei pra mim mesmo, no passado. Entender tudo isso traz ordem. Deneli Rodriguez. 21.11.2017. OFENSA
Muito nos ofendemos quando não nos sentimos valorizados pelos outros. Pouco nos ofenderíamos ou não nos ofenderíamos se nosso valor não estivesse sob o crivo do olhar alheio. A ofensa precisa de um “eu” muito bem construído para acontecer. Quanto mais forte o sentido de identidade, pior será a ofensa. Claro fica que a ofensa depende da existência do ofendido. Sem o ofendido, a ofensa não acontece. Se não me importo com o que o outro fala, pensa de mim, se não me importo com as decisões do outro que não me inclui, se não me comparo com os outros para me sentir valorizado, a ofensa não tem campo para acontecer. Como deixar de ser o ofendido? Entendendo que o mundo não gira ao seu redor. Provavelmente pouca gente está dedicada a te ferir, planejando te ferir. Os outros estão tentando ser felizes, assim como você. Não estão pensando em maneiras de te machucar, só estão agindo da melhor maneira que sabem ser. A maior parte das atitudes alheias que consideramos ofensivas são atitudes vindas da ignorância. A pessoa não sabe como agir de outra forma. Tem pouco ou nenhum contato consigo mesma. Está muito confusa ou ferida e não tem consciência disso. Tendo esse entendimento e sabendo que as pessoas não vão agir à nossa maneira, deixamos de nos ofender. Entendemos que os outros estão sendo o que sabem ser e dizendo o que sabem dizer. Ofendemo-nos porque queremos que o outro nos veja como gostaríamos de ser vistos. Queremos ser valorizados, reconhecidos, aclamados, desejados, maravilhosos e queremos que os outros nos digam isso. Não gostamos de admitir que muitas vezes não fomos os escolhidos. Ao entender que o outro vai ter inevitavelmente uma imagem diferente de mim, gostos diferentes dos meus, portanto uma opinião a meu respeito ou a respeito das circunstâncias diferente da minha, a ofensa não acontece. Para se livrar da ofensa é preciso deixar de ser ofendido. A sustentação da identidade cria sempre conflito. Se não há um “eu” que precise ser valorizado e reconhecido, não há o “eu” que se sente ofendido. Deneli Rodriguez. 21.09.2017. COMO ENCONTRAR A PAZ
Estamos cansados de nos sentirmos ansiosos. Procuramos diversas maneiras de lidar com a agitação mental. A inquietação é uma presença constante. Queremos encontrar a paz, mas não sabemos nem onde, nem como, é possível encontrá-la. Muitos recorrem às religiões, outros às drogas, outros ainda a tratamentos relaxantes, treinamentos da mente, viagens, festas, cursos e retiros, mas o incomodo lá dentro, dizendo que não está tudo bem, continua. A ansiedade continua. Encontramos outro objetivo acreditando que dessa vez, ao conquistá-lo, nos sentiremos em paz. A verdade é que empenhamos muito esforço para construir a inquietação. Alguma coisa acontece ou pensamos algo e já estamos lá construindo um roteiro. De um pensamento, emoção ou sensação, criamos uma história, empenhamos muita energia para manter essa história viva para nós mesmos. Suponhamos que eu veja uma criança, daí penso que gosto de criança, penso depois que poderia ter um filho o que me leva ao pensamento que não me casei, começo a pensar que deveria arrumar um namorado, daí penso que não sou bonita e que ninguém vai me querer, penso então que deveria ter feito mais academia, porém é tão caro fazer academia, por que essas empresas gigantes tem que ganhar tanto dinheiro? Nossa o capitalismo é uma droga! Deveria ter continuado trabalhando com Relações Internacionais. Se eu morasse na Suíça, poderia trabalhar na ONU. Esse programa de refugiados poderia ser mais bem feito... e, assim passar talvez o dia todo pensando em tudo isso, construindo ideias e maneiras de mantê-las vivas. A inquietação é uma construção feita por nós que queremos nos livrar. O início do pensar é uma associação com o eu construído (aquele que também inventamos, aquele que dizemos com orgulho: eu sou assim, eu gosto assim, disso eu não gosto; aquele personagem que inventamos pra nós e que nos esforçamos tanto para construir), é um pensar mecânico. Essa associação com o eu construído é que dá início ao pensamento. O eu inventado é o autor do pensamento inventado, ambos são construções mentais. Assim, para encontrar a paz, não há necessidade de se fazer nada, apenas perceber o processo mental de construção da inquietação. Ao perceber o processo de pensar, a construção cessa e a paz é. Você já é a paz que tanto procura. Perceber é o caminho para descontruir a inquietação. Deneli Rodriguez. 03.10.2017. |
AutoraDeneli. Histórico
February 2024
|