E se esse fosse o seu último ato?
E se tudo acabasse agora? Qual teria sido sua última conversa? Com que tipo de emoção deixaria esse mundo? Com que emoção os outros ficariam na sua partida? É urgente resolver, nada mais pode ser mais importante. É um exercício muito interessante e transformador lembrar-se dessa frase. Todo o drama mental termina. A raiva parece tão pequena diante daquele último instante que acaba por desaparecer. As desavenças tão insignificantes. As coisas que lutamos tanto para conseguir perdem suas funções. As pessoas que deixamos de nos relacionar, por algum motivo, deixam de ser tão ruins. Os planos de futuro perdem o significado. O estado de espírito se transforma imediatamente diante da urgência do último ato. Somos obrigados a perceber que só existe o presente e que é nele que tudo acontece. Que o passado e o futuro são tempos inexistentes, que estarmos atentos a cada ato, a cada instante é a única maneira de vivermos sem conflitos nem sofrimentos. Se agora me desentendo com alguém, agora resolvo porque não há outro dia. A casa está pegando fogo, ajo. Saio o mais rápido possível dali, senão morro. Não há tempo para planejar, refletir nem postergar. A atenção àquele momento me mostra a saída. Só assim consigo sair viva. A casa está pegando fogo, mas vamos jogando um pouco de água aqui e ali. O incêndio não é resolvido. Ficamos dentro da casa, ardendo em chamas, abrandando o fogo, mas não resolvemos o problema. É assim que vivemos: numa casa em chamas, sabendo que precisamos resolver o incêndio, mas sem querer abandonar a casa, vamos queimando, inalando a fumaça e morrendo pouco a pouco, estando vivos. Fazendo esse exercício, estando atentos ao que fazemos e pensamos, quase nunca somos pegos de surpresa, nem deixamos nada para depois contando com um amanhã imaginado. Fomos pegos de surpresa com a necessidade de confinamento e muitos estão tendo que fazer o “custoso” e inevitável trabalho de olhar para si mesmos e avaliar suas escolhas e modo de vida à revelia. Não há como fugir para fora. Não há como ignorar completamente o que se passa dentro (nem fora). Não dá pra criar com todas as ferramentas exteriores uma realidade utópica de valores de consumo que trazem felicidade se não há como consumir além das necessidades básicas. Não dá para mostrar nas redes sociais a vida que se leva em restaurantes, eventos, viagens, compras. Não dá pra planejar. Nunca deu, mas criou-se a ilusão que era possível planejar algo com antecedência e dar certo. O presente só importava se fosse para planejar um tempo futuro. Sonhamos com experiências e coisas. São esses sonhos que nos movimentam a continuar num trabalho detestável para conseguir o dinheiro necessário para realizá-los. O modo de vida capitalista criou a ilusão de que existe o futuro e todos acreditaram. É assim que viagens são planejadas, status de relacionamentos são garantidos e seguros são feitos. Precisamos ter certeza. Tudo precisa ser combinado e comprado com antecedência; tudo é vendido como absolutamente necessário. Planejar o futuro é uma ótima saída para garantir o consumo de coisas absolutamente sem importância. Planejamos tudo e mesmo assim não temos a garantia de sucesso. Grande parte dos planos não sai como o planejado, mas nos esforçamos mentalmente para fazer a realidade se “encaixar” no que sonhamos; no que planejamos. Fazemos aquele relacionamento funcionar para vermos nosso sonho realizado. Esforçamo-nos por gostar de uma viagem, evento ou encontro para não termos que admitir que eles não trouxeram a felicidade que esperávamos e que não valeram a pena. Não queremos admitir que há algo de errado com o jeito que levamos a vida. Não queremos estar errados; não queremos ter que rever o que fazemos e, principalmente, não queremos refletir a respeito das nossas escolhas e motivações. Vamos copiando o estilo de vida dos outros acreditando que eles são felizes. Inventamos que é preciso muito para sermos felizes, mas a pandemia veio mostrar que o que precisamos mesmo é de uma boa saúde física e mental. Que podemos viver cuidando de nós mesmos. Que se ficarmos em casa, esse simples ato, é benéfico a nós mesmos, aos outros e ao meio ambiente. Que afetamos os outros e os outros nos afetam. Que não existe separação. Somos interdependentes. Deneli Rodriguez. 17.02.2021.
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AutoraDeneli. Histórico
February 2024
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