Podemos nos apaixonar sem querer levar pra casa?
Sem tornar “nosso”? Ao nos apaixonarmos por alguém imediatamente surge o desejo de continuidade. Queremos prolongar aquela sensação e repetirmos a experiência inúmeras vezes. A paixão nos coloca num lugar de empolgação e nos dá a oportunidade de projetar, de vermos nossos sonhos e desejos realizados. Saímos de nós, mas a impressão é de que estamos mais ainda em contato com nós mesmos, afinal, começamos a enxergar o futuro que planejamos tomando forma. Finalmente iremos realizar o nosso ideal romântico com alguém que nos corresponda. O problema é que o ideal é o não fato. Deixamos de ver os fatos como fatos e passamos a enquadrar tudo no nosso ideal. Forçamos o outro e as situações a se encaixarem para a satisfação do nosso ideal. Ideal é projeção, é construção, condicionamento, desejo de segurança e estabilidade. A mente está sempre procurando por controle e segurança e com a paixão não é diferente. Se conseguíssemos nos apaixonar sem querer “levar pra casa”, sem querer tornar “nosso”, viveríamos situações de paz e alegria, pois o tornar nosso é uma construção do outro e da relação que não tem nada a ver com a realidade. Esse levar pra casa nada mais é do que se apropriar de uma situação e do outro para encaixar nas nossas expectativas e desejo de segurança. Ao mesmo tempo, ao alimentarmos o ideal, aumentamos a vontade de querer mais. Tão logo o outro faça o que esperávamos, surge o desejo de mais. Nunca nos sentimos satisfeitos. É como apagar uma fogueira com gasolina. Enquanto o outro for exatamente o que queremos, a paixão se sustenta, mas ao começar a não corresponder às nossas expectativas, ao invés de sabermos e vermos o jogo do ideal que estamos fazendo, nos frustramos. Se estivéssemos realmente atentos, veríamos que um ideal não tem como se sustentar por muito tempo e ao não sermos correspondidos como gostaríamos, encararíamos como natural. Não sofreríamos e entenderíamos que esse momento inevitavelmente iria chegar. Para isso acontecer, é necessária uma grande capacidade de ver a realidade como ela é. Parece que temos uma dificuldade em ver as coisas como são e também em abrir mão dos jogos que fazemos. O mais comum é que ao não sermos correspondidos como gostaríamos, não queiramos encarar a realidade, que queiramos manter o transe da irrealidade, das projeções, dos desejos e das expectativas. Inventamos desculpas para o comportamento do outro. Sentimo-nos desprezados. Queremos entender e conversar do porquê houve uma mudança no comportamento. Desgastamo-nos pensando onde erramos. Culpamo-nos por termos feito ou dito alguma coisa. Culpamos o outro pelo mesmo motivo. Estabelecemos rotas de fuga. Como é difícil encarar que as coisas não aconteceram como queríamos. O outro não é aquele que imaginamos, não temos controle de nada nem de ninguém. Se apaixonar sem querer levar pra casa, é deixar a situação e o outro serem o que são e se relacionar com isso. Sem controle. Sem planos. Deneli Rodriguez. 13.09.2017.
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AutoraDeneli. Histórico
February 2024
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