Podemos nos apaixonar sem querer levar pra casa?
Sem tornar “nosso”? Ao nos apaixonarmos por alguém imediatamente surge o desejo de continuidade. Queremos prolongar aquela sensação e repetirmos a experiência inúmeras vezes. A paixão nos coloca num lugar de empolgação e nos dá a oportunidade de projetar, de vermos nossos sonhos e desejos realizados. Saímos de nós, mas a impressão é de que estamos mais ainda em contato com nós mesmos, afinal, começamos a enxergar o futuro que planejamos tomando forma. Finalmente iremos realizar o nosso ideal romântico com alguém que nos corresponda. O problema é que o ideal é o não fato. Deixamos de ver os fatos como fatos e passamos a enquadrar tudo no nosso ideal. Forçamos o outro e as situações a se encaixarem para a satisfação do nosso ideal. Ideal é projeção, é construção, condicionamento, desejo de segurança e estabilidade. A mente está sempre procurando por controle e segurança e com a paixão não é diferente. Se conseguíssemos nos apaixonar sem querer “levar pra casa”, sem querer tornar “nosso”, viveríamos situações de paz e alegria, pois o tornar nosso é uma construção do outro e da relação que não tem nada a ver com a realidade. Esse levar pra casa nada mais é do que se apropriar de uma situação e do outro para encaixar nas nossas expectativas e desejo de segurança. Ao mesmo tempo, ao alimentarmos o ideal, aumentamos a vontade de querer mais. Tão logo o outro faça o que esperávamos, surge o desejo de mais. Nunca nos sentimos satisfeitos. É como apagar uma fogueira com gasolina. Enquanto o outro for exatamente o que queremos, a paixão se sustenta, mas ao começar a não corresponder às nossas expectativas, ao invés de sabermos e vermos o jogo do ideal que estamos fazendo, nos frustramos. Se estivéssemos realmente atentos, veríamos que um ideal não tem como se sustentar por muito tempo e ao não sermos correspondidos como gostaríamos, encararíamos como natural. Não sofreríamos e entenderíamos que esse momento inevitavelmente iria chegar. Para isso acontecer, é necessária uma grande capacidade de ver a realidade como ela é. Parece que temos uma dificuldade em ver as coisas como são e também em abrir mão dos jogos que fazemos. O mais comum é que ao não sermos correspondidos como gostaríamos, não queiramos encarar a realidade, que queiramos manter o transe da irrealidade, das projeções, dos desejos e das expectativas. Inventamos desculpas para o comportamento do outro. Sentimo-nos desprezados. Queremos entender e conversar do porquê houve uma mudança no comportamento. Desgastamo-nos pensando onde erramos. Culpamo-nos por termos feito ou dito alguma coisa. Culpamos o outro pelo mesmo motivo. Estabelecemos rotas de fuga. Como é difícil encarar que as coisas não aconteceram como queríamos. O outro não é aquele que imaginamos, não temos controle de nada nem de ninguém. Se apaixonar sem querer levar pra casa, é deixar a situação e o outro serem o que são e se relacionar com isso. Sem controle. Sem planos. Deneli Rodriguez. 13.09.2017.
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A GRANDE BELEZA
A hiper valorização da beleza física e da juventude está criando uma sociedade infeliz. Atualmente, a vaidade é altamente estimulada em todos os sentidos. Queremos ser bonitos e jovens para sempre e esquecemos que só fica jovem pra sempre quem morre jovem. O nascimento, o envelhecimento e a morte são fatos, mas nos ensinam a lutar contra o processo natural da vida. À medida que envelhecemos, nos preocupamos muito com o corpo e pouco com a maturidade emocional. Criamos uma sociedade fraca baseada em valores altamente superficiais e irreais. Criamos imagens adequadas de beleza ligadas à juventude muito difíceis de sustentar. O corpo naturalmente se transforma, estamos em processo de transformação e envelhecemos desde o momento que nascemos, mas somos ensinados que para sermos felizes e bem sucedidos, precisamos nos manter jovens para sempre. O que acontece é que vemos cada vez mais pessoas envelhecendo com raiva de si mesmas e dos outros por não conseguirem manter a missão impossível de serem jovens para sempre. Pior, tanto é investido na preservação da autoimagem que se esquecem de olhar para a realidade dos fatos e deixam de perceber a paz e o contentamento que surgem naturalmente de uma mente clara. A manutenção da beleza e da juventude é uma projeção mental baseada nos valores sociais da nossa época. Nem sempre foi assim. Em outros tempos se valorizava muito a experiência de vida, o saber, o conhecimento, a capacidade de lidar com a vida de maneira mais madura e equilibrada. O que acontece agora é que à medida que envelhecemos, vamos ficando cada vez mais fracos emocionalmente, pois nosso valor está em algo impermanente como a beleza. Cada vez mais se vê pessoas ficando mais velhas e mais infantilizadas. Pessoas que focaram toda a sua energia na imagem e pouco fizeram interiormente. A mente está sempre projetando, imaginando que se for assim ou assado, será feliz, terá prazer, haverá garantia de preservação do elogio, do reconhecimento do autovalor. Projeta que quanto mais jovem e bonita seja a pessoa, maior a garantia do prazer, felicidade e reconhecimento. Porém é fácil constatar que essa ideia é falsa. Quantas pessoas bonitas e jovens são infelizes? Quando se vê o falso, se vê a verdade. E o que é ver o falso? É ver todas as mentiras que contamos pra nós mesmos. É ver todos os condicionamentos e padrões que seguimos. Sem confrontar os fatos, os condicionamentos não terminam. Queremos realmente ver os fatos? Ou queremos encontrar desculpas para continuarmos repetindo os mesmos padrões? Formamos imagens para nos proteger. Acreditamos que sendo de certo modo, estaremos protegidos. Fazemos isso por medo, para não sermos magoados, para vivermos uma vida não conflituosa, mas ao fazermos isso, criamos ainda mais confusão. Resistimos às mudanças naturais, justificamos o injustificável em nome do medo do desconhecido. Deneli Rodriguez. 10.09.2017. *Essa imagem foi tirada do filme “A Juventude” de Paolo Sorrentino. Recomendo fortemente que o assistam. O filme trata desse assunto (do meu texto) de uma maneira difícil de descrever e difícil de esquecer. Uma obra prima cinematográfica. SEJA NINGUÉM
Ser alguém é um fardo. Ao ser Juliana, ao ser Rodrigo, você acredita que existe, mas é apenas uma convenção. Quando você é alguém, esse alguém sofre. Ao ser criticado, Rodrigo sofre. Ao ser criticada, Juliana sofre. Não seja ninguém, não seja nada. Se você não é alguém, ao ser elogiado, você não é o elogio. Ao ser criticado, você não é a crítica. Você vê “isso” acontecendo, mas como não é alguém, não se envolve, não se torna nada. Assim, seja o que for que disserem de você, não se transforma em você. Se você não é ninguém, não tem nenhuma imagem que precise ser sustentada, nem defendida. Não tem nenhuma imagem (construída por você ou pelo olhar os outros) com que se orgulhar. Não tem alguém para ser incrível, nem para ser miserável. Tanto Juliana, como Rodrigo, Fernando, Vanessa, Patrícia, seja qual for a identidade construída que leva esse ou aquele nome, ao entenderem que não possuem substância real, que são meras convenções, começam a demolir o castelo de conceitos que se auto-construíram. Começa a ruir o conceito chamado Rodrigo. Rodrigo então compreende que foi ele mesmo e as outros pessoas que criaram essa identidade, mas que ela é só uma criação conceitual. Se não tem mais Rodrigo, nem Juliana, não há mais ninguém. Só “alguém” que precisa de proteção e consideração. Só alguém que se magoa, que precisa se defender, que precisa lutar, que precisa convencer o outro do valor que tem. Sendo ninguém, nada disso acontece. O sofrimento de sustentar o peso da identidade cessa. Sendo ninguém, você não é dono de nada também. Você não pode possuir nada nem ninguém. Você se relaciona com tudo entendendo que nada é seu. Quando tomamos algo por nosso, imediatamente nos agarramos a isso. Começamos então a lutar por manter aquilo que conquistamos e se eventualmente o perdemos, sofremos muito. Deixando de ser alguém, deixamos de acumular. Deixamos de precisar manter, aumentar e sustentar. Apreciamos as coisas e as pessoas sabendo que não somos donos delas. Deixamos que elas sejam o que são e nos encantamos com a beleza do momento presente. Lidando com o momento presente, estamos preparados com o que quer que aconteça. Não tendo um “eu” para arbitrar, tudo acontece naturalmente. Não precisamos temer as transformações naturais. Deneli Rodriguez. 05.09.2017. ZONA DE CONFORTO
Largar o emprego, fazer uma viagem ao redor do mundo, começar uma atividade física, mudar de visual, são maneiras estimuladas por aí para sair da zona de conforto. Fazer novos amigos, estar em lugares diferentes, deixar de ser introvertido, ter mais contato humano... Um grande banco, em sua propaganda, se mostra disponível a financiar qualquer experiência para sair da zona de conforto. Vende-se que assim, saindo da zona de conforto, você será finalmente feliz. É moda agora ter que sair da zona de conforto. A zona de conforto nada mais é que a repetição dos mesmos condicionamentos, mas ninguém diz que mudar de emprego, fazer uma viagem, seja lá o que for pra “sair da zona de conforto”, ainda mantém a repetição. São criados novos condicionamentos, novas necessidades e, rapidamente, esses também deixam de ser interessantes e a busca pra sair da zona de conforto novamente continua. Mudar de emprego, fazer a viagem dos sonhos, não tira ninguém da zona de conforto, ao contrário, cria a falsa sensação de mudança e felicidade através das alterações exteriores. Através da criação de novas necessidades. Se você não sair da zona de conforto de sempre se repetir, nenhuma novidade ou experiência podem fazer isso por você. Não adianta alterar as circunstâncias se não tonar o inconsciente, consciente. Sem entender quais são as reais motivações, quais os sentimentos e emoções estão escondidos, quais são as intenções por trás e o mais importante: qual o resultado que se pretende alcançar. Para sair da zona de conforto é preciso olhar para si mesmo. Olhar para os condicionamentos, para o tanto de repetições das mesmas reações. As experiências mudam, o círculo de relacionamentos pode mudar, a viagem dos sonhos pode acontecer, a empresa que você sempre quis pode se concretizar, mas você sempre vai se repetir se não sair do padrão de ação mental que cultiva há tanto tempo. O padrão de ação mental é aquele que faz que sempre nos repitamos. Julgando as situações e as pessoas sempre da mesma maneira, acreditando que o que pensamos e entendemos é a verdade, o certo, e assim reagindo a eles sempre igual. Não adianta mudar de país, de família, de emprego. Não adianta comprar roupas novas, fazer uma plástica, emagrecer. Não adianta pegar o empréstimo no banco. Ainda que acumule sucesso e riqueza, aquela sensação de que ainda falta alguma coisa, vai continuar. O que falta é se libertar de si mesmo, se libertar das histórias que você conta pra você mesmo. Se libertar de escolher sempre baseado nos mesmos critérios. De desejar se afastar do que gera aversão e de se aproximar do que gera atração. Esses extremos da dualidade nunca cessam e são eles que nos mantém no jogo da mente. São eles que nos mantém contando nossas histórias preferidas pra nós mesmos. Que tentam nos convencer que de tanto nos repetirmos, uma hora vamos nos sentir felizes, que nossas táticas vão funcionar. A zona de conforto não é esse lugar onde as repetições exteriores acontecem. A zona de conforto é esse lugar de repetição interior. Sair desse lugar, olhar para os acontecimentos sempre de maneira nova, com olhar de descobrimento, navegando pelos domínios do desconhecido, é sair realmente da zona de conforto. É divertido, inesperado, surpreendente, observar a si mesmo, observar como sua mente opera, quais são os padrões que ela aciona a cada situação. O que se vende por aí não é sair da zona de conforto, ao contrário, é acumular mais algumas “necessidades” para fazer a economia girar. Deneli Rodriguez. 29.08.2017 EMPREENDORISMO AMOROSO
O que mais vejo nos sites de relacionamento e autoajuda é script do que fazer diante de um par amoroso. É preciso ser o que você é, pois é a sintonia que faz a relação. É preciso lutar e estar atento para com o desejo do outro. É preciso não deixar cair na rotina. É preciso ler os sinais, se a pessoa está a fim ou não. É preciso autocontrole. É preciso se deixar levar. Não pode mandar muita mensagem. Tem que demonstrar interesse. Não pode estar muito disponível. Não pode responder a mensagem na hora, vai parecer que você estava esperando. Não pode procurar o outro. Não pode ser muito simpático. Tem que saber a hora certa para falar determinados assuntos. Se a pessoa está com você, só pode falar de coisas boas e sorrir. Ninguém quer encontrar o parceiro para ouvir problemas. Se a pessoa quer uma coisa que você não quer e você não fizer o que ela quer, ela vai partir pra outra. Agradar e prever o que o outro quer é imprescindível para manter a pessoa ao seu lado. É um grandioso empreendimento “amar”. Tem que estudar muito, ler os sinais, saber todas as técnicas de sedução, conseguir adivinhar os pensamentos do outro, saber limitar suas ações para não deixar o outro pressionado. Cansa, cansa muito. O mais engraçado é: mesmo colocando tudo em prática, muitas vezes, o outro vai embora. Como tem texto com “dicas” para todos os gostos, fica fácil encontrar uma resposta possível para o motivo da partida. Disponibilidade demais: foi isso. Sinceridade demais: foi isso. A roupa íntima errada: foi isso. Fazer sexo: foi isso. Negar sexo: foi isso. A culpa, em todos os scripts de relacionamento amoroso, é ela o ponto. No acharmos que somos responsáveis pelos estados emocionais dos outros, nos culpamos quando não conseguimos que o outro nos ame como desejávamos. Grande parte do comércio se sustenta baseado nessa crença. Ao acharmos que por não termos sabido ser quem o outro precisava que fôssemos, fomos largados, substituídos ou ignorados. Por que temos a necessidade de entender os motivos para fim de um relacionamento amoroso ao invés de apenas entendermos que acabou? O empreendorismo entrou também nessa área. Formamos pessoas tão inseguras e frágeis emocionalmente que precisamos criar manuais de conquista. Manuais de superação. 10 passos para esquecer o ex. 5 atitudes que farão todos correrem atrás de você. 8 sinais de que ele está a fim. 7 atitudes emocionais que afastam os outros. 3 passos para se tornar irresistível. Esquecemo-nos que aquilo que achamos que estamos vendo no outro (ou em nós) é só nosso julgamento. Batalhamos para manter a chama acesa, para fazermos tudo certinho, imaginando que assim manteremos a pessoa amada ao nosso lado. Lemos que precisamos nos esforçar muito para conseguir, e, depois para manter, mas o amor só é. Não se convence ninguém de te amar. Deneli Rodriguez. 22.08.2017. SEXUALIDADE
Por que afinal damos tanta importância? Somos bombardeados diariamente com a ideia de necessidade do prazer sexual. Dizem-nos que precisamos dele através dos filmes, livros, revistas, programas, conversas. É um assunto muito exposto e debatido, também em meios religiosos. Há versões que condenam o prazer, outras que o estimulam, mas a verdade é que em todas tentam nos convencer que existe uma forma ideal. Todas têm seus conceitos de como deveria ser e ensinam fórmulas para chegar a esse objetivo. Não importa se é um psicólogo, um médico, um guru, um amigo, o que importa é que você, não se encaixando naquele modelo, precisa de ajuda, precisa resolver o problema. Mais uma vez, estou escrevendo sobre padrões sociais. Se a pessoa tem 12, 13 anos e não tem um namorado, precisa ser estimulada a tê-lo. Se a pessoa não liga para o assunto ou não tem vontade de fazê-lo, tem algum problema, precisa ir à terapia, fazer exames, experimentar talvez outra forma de se relacionar sexualmente. Aprendemos que tem algo errado com nós se não nos encaixamos nas esferas de desejo do que nos é vendido como normal, adequado. A pergunta é: por que tem que ser tão importante? A sexualidade é parte natural da vida, assim como andar, comer, dormir, mas, mais uma vez, nos é vendido um esquema de normalidade difícil de perceber, mas que nos movimenta a não estarmos satisfeitos sendo como somos. A cada época existe um padrão sexual, isso é fácil de saber, é só estudar um pouco de história e psicologia. É-nos vendido um esquema de “liberdade” ou de contenção. Pessoas se machucam para sustentar tais modelos. A qualquer época, de qualquer forma, são criados padrões que muitas vezes são confundidos com liberdade. Se em determinada época ser livre é se relacionar com a maior quantidade possível de parceiros e você não tem essa vontade, tem algo de errado com você. Se em outra época, o ideal é monogâmico e você não se encaixa nisso, tem algo de errado com você. Se em outro momento, o ideal é experimentar o desejo sem gênero e você não tem essa vontade, tem algo de errado com você. O ponto aqui é: sempre haverá algum modelo nos sendo imposto, quase sempre num nível inconsciente. É nossa roda de amigos que está vivenciando a sexualidade de uma determinada maneira, as personagens das novelas e dos filmes, as pautas de sexólogos e psicanalistas, somos “informados” o tempo todo na nossa rotina do que é o padrão do momento, quase sempre sem nos darmos conta disso. Liberdade é ser quem você é. É fluir no que te é natural e perceber os padrões de ação das construções mentais. Qualquer esforço na direção do que nos dizem ser correto, cria um conflito interior. Se estivermos num meio em que nos é exigido o celibato, há um conflito. Se estivermos num meio em que nos é exigido nos relacionarmos o tempo todo com um par, há conflito também. A exigência por se adequar ao que se espera, cria sempre conflito, separação. Ao sair de um padrão acaba-se entrando em outro sem perceber. A exigência dos outros ou a nossa em nos esforçamos para nos adequarmos às situações, criam conflito e onde há conflito não pode haver liberdade. Enquanto estivermos tentando alcançar certo fim, estamos buscando o resultado. Se buscarmos um resultado, estamos funcionando através de alguma ideia, crença ou projeção. O que é feito pela mente, pode ser desmantelado a qualquer tempo. É isso o que acontece e é por isso que sofremos. Assim, pois, alguma teoria, ideia ou crença pode ser útil para o descobrimento da realidade? Pode haver investigação quando a mente está presa a um motivo? Permanecendo dentro do padrão nos perguntando o que acontecerá se sairmos dele é uma forma de fuga, uma falsa e inútil maneira de investigar. Quando a mente não está aprisionada, rendida na certeza, nem buscando a certeza, só então se encontra ela num estado de descobrimento. Veja o fato, o que é, e deixai-o atuar, não atue sobre o fato, o “vós”, o mecanismo de repetição com suas opiniões, juízos e conhecimentos. Repetição do que é bom ou mal, do que é nobre ou trivial, redunda em insensibilidade porque a mente só está se movendo nos domínios do conhecido. Assim, todo o esforço, correto ou incorreto, mantém o foco de realização no “eu” construído, na identidade. A manutenção da identidade cria sempre conflito e onde há conflito não pode haver liberdade. Deneli Rodriguez. 14.08.2017. APEGO
Nós crescemos assim. Ele fica enterrado lá no fundo. Nossos pais nos ensinaram a nos apegarmos, a dar sentido às coisas, acreditando firmemente que nós existimos como uma entidade autocentrada e que as coisas nos pertencem, que são nossas. É assim que somos ensinados desde o nosso nascimento. Ouvimos uma e outra vez que é assim e penetra nos nossos corações, damos morada a essa crença e lá fica como o nosso sentimento habitual. Somos ensinados a fazer coisas para acumular e segurá-las, vê-las como importantes. Isto é o que os nossos pais sabem, e isso é o que eles nos ensinam. Então o apego entra em nossas mentes, em nossos ossos. Acreditamos que o desejo é nosso e por isso ele é importante. É o nosso desejo, o nosso querer, o nosso pensamento, a nossa emoção e por acharmos que somos donos, sofremos para defendê-los, realizá-los, porque a não realização, o não conseguir, nos afeta tremendamente. O desejo quando não alimentado por nosso apego, nossos pensamentos, nosso querer, acaba. Morre. Tão logo surge, desaparece. Assim é também com todas as outras emoções: elas surgem e desaparecem se não forem alimentadas por nossas crenças, pensamentos e ações. As emoções são só emoções. Os pensamentos são só pensamentos. Os desejos são só desejos. É o que acrescentamos a eles que nos gera sofrimento. O quanto acharmos que precisemos deles par sermos felizes, é o quanto de esforço que empreenderemos para realizá-los. No entanto, a cada desejo realizado, surge um novo e todo o ciclo de alimentação se repete. Estamos sempre exaustos querendo realizar mais, desejando mais, buscando mais. É a sede que nunca termina. Bebemos água, mas continuamos com sede. Quando tomamos interesse em meditação não é fácil entender o que significa realmente não nos apegarmos... Somos ensinados para não ver e fazer as coisas de maneira real, então quando ouvimos o ensinamento, ele não penetra na mente; só ouvimos com os nossos ouvidos. As pessoas não sabem ser. Então, sentamos para ouvir os ensinamentos, mas é só som que entra no ouvido. Eles não ficam por dentro, não nos afetam. O sábio disse que mover uma montanha de um lugar para outro é mais fácil do que remover o apego das pessoas. Não importa se estamos satisfeitos ou chateados, felizes ou sofrendo, cantando canções ou derramando lágrimas, não importa – se estamos vivendo neste mundo dessa maneira, estamos em uma gaiola. Nós não vamos além. Nesta condição de estar em uma gaiola, mesmo que você seja rico, você está vivendo em uma gaiola. Se você é pobre, você está vivendo em uma gaiola. Se você cantar e dançar, você está cantando e dançando em uma gaiola. Se você assistir a um filme, você está vendo-o em uma gaiola. O que é esta gaiola? É a gaiola de nascimento, do envelhecimento e da morte. Desta forma, estamos presos no mundo. 'Isso é meu.' 'Isso me pertence.' Nós não sabemos o que realmente somos ou o que estamos fazendo. Na verdade, o que todos nós estamos fazendo, é acumulando sofrimento para nós mesmos. Não é que algo distante nos faça sofrer, sofremos por não olharmos para nós mesmos. Não importa o quanto de felicidade e conforto tenhamos, tendo nascido, não podemos evitar o envelhecimento, a doença e a morte. Podemos sempre ser atingidos pela dor ou doença. Pode acontecer a qualquer momento. Quando acontece, sentimos como se tivéssemos sido roubados, como se nos tirassem alguma coisa, mas a verdade é que tudo pode nos ser tirado a qualquer momento. Essa é a nossa situação. Há perigo e problemas. Nós existimos entre essas coisas que entendemos como prejudiciais: nascimento, envelhecimento e doença, reinando sobre nossas vidas. Não podemos fugir deles e ir para outro lugar. Eles podem chegar a qualquer momento, nos pegar – qualquer momento pode ser uma boa oportunidade para eles. Então temos de ceder a eles e aceitar a situação. O Buda resumiu as coisas dizendo que tudo aparece e desparece, não tem mais nada fora isso. Isso é difícil de ouvir. Mas quem realmente conseguir viver assim, sem se apossar de nada, vive com facilidade, em qualquer lugar, de qualquer modo e em qualquer circunstância. Essa é a verdade. A verdade é que, neste mundo, ninguém faz nada para ninguém. Não há motivo para se tornar ansioso. Nada há para nos fazer chorar, nada há para rir. Nada é inerentemente trágico ou delicioso. Mas é essa experiência da maioria das pessoas, é o que é comum na vida delas. Relacionamo-nos com os outros dessa maneira comum de ver as coisas, mas pensando de maneira comum, sofremos. Na verdade, se realmente conhecemos essa verdade e vemos continuamente, nada é nada; existe apenas momentaneamente, surgindo e passando. Não há felicidade ou sofrimento real. O coração está em paz. Deneli Rodriguez. 31.07.2017. *livremente inspirado nos ensinamentos de Ajahn Cha e de Charlotte Beck. É sempre curioso observar na quantidade de debates existentes sobre a exposição virtual, o quanto se é preocupado com a opinião dos outros.
Muito se faz no meio virtual com o objetivo de se obter atenção. Muita confusão é criada quando há discordância de opinião, quando o outro se sente ofendido ou tem uma opinião que considera melhor. Pessoas se incomodam quando as imagens e opiniões que têm a respeito de si mesmas, não batem com as imagens e opiniões que outros têm de si. Muito ruído, dor e confusão são criados na tentativa de fazer o outro mudar sua visão ou opinião. A memória que temos de nós mesmos e em que tanto nos apoiamos para defendermos o que somos agora e prospectar o que seremos no futuro, também foi um dia uma imagem, opinião, interpretação e conceito. O curioso é que acreditemos que o modo que julgamos determinado acontecimento ou pensamento seja a verdade, o certo e a única realidade. Se formos realmente refletir, veremos que opiniões e imagens são somente opiniões e imagens. O quanto de carga emocional que colocamos nisso (que vem sempre de uma avaliação autocentrada) é que cria o debate, a necessidade de convencimento do outro, a ofensa e a mágoa. Queremos ver nossas imagens e opiniões refletidas nos pensamentos e visões dos outros. Ao observar a mente, entendemos que a mente humana está sempre tentando encontrar sentido, nomear as coisas e acontecimentos, achar coerência e lógica no julgamento. É da natureza da mente procurar estar certa e colorir tudo de acordo com o que acredita. A verdade é que tudo isso é só pensar, não é nada de especial, nem importante. O pensar é natural, entender como a mente funciona é uma ferramenta importante para nos relacionarmos de maneira mais harmoniosa. Os nossos pensamentos são só nossas ideias e os pensamentos dos outros só os pensamentos dos outros. A pergunta é: por que nos ofendemos com as opiniões discordantes das nossas? Como a mente quer sempre estar certa e segura, quando encontramos reciprocidade, sentimos que estamos certos. Na situação oposta, aparece o conflito. O sofrimento e o conflito podem ser evitados ao compreendermos que não há nada de errado com os outros pensarem diferente de nós. Expomo-nos na internet diariamente querendo ver reciprocidade e sofremos quando somos criticados ou alvo de piadas. A imagem que construímos de nós mesmos, é o que acreditamos ser. Em nome dela, criamos laços de afeto e muitos desafetos. Não conseguimos aceitar quando o outro tem uma visão de nós que não corresponde à nossa. Deixemos de nos importar com interpretações, ideias, pensamentos e opiniões. Observemos mais como as coisas são sem nossas opiniões, só observando, sem dar um nome, um conceito, um sentido. Sem encaixar em algo que julguemos conhecer. Só percebendo. Deneli Rodriguez. 08.06.2017. Na maior parte do tempo estamos reagindo às circunstâncias, às pessoas sem nos darmos conta que essas reações surgem de acordo com as nossas experiências anteriores e, portanto em acordo com nossas interpretações, julgamentos e pensamentos. Não somos livres nesse sentido. Estamos presos aos que nossos pensamentos nos dizem sobre saber das coisas e pessoas. A reação é uma resposta a algo que supomos saber e sempre de acordo com nosso estado de espírito do momento. Não temos controle ou imaginamos não ter, as coisas simplesmente acontecem e se mantém num ciclo vicioso onde acabamos nos repetindo sempre. São os ditos “padrões de comportamento e ação”. Nada mais inadequado do que chamarmos reação de ação. A ação não tem nada a ver com nossa realidade criada e acreditada por nós. Ela vem de outra fonte e acontece justamente sem a interferência dos padrões e hábitos mentais. Agir é olhar verdadeiramente para uma situação de maneira nova o tempo todo, é não comparar com situações parecidas, tampouco seguir um hábito mental. Quando agimos não estamos pensando, não temos dúvida. O pensamento não entra para pesar os prós e os contras, não há análise, é espontâneo e indubitável. A ação não vem de uma fonte fragmentada que é o pensamento (interpretação, ideia, sensação), mas de uma fonte criativa e inteligente. Fragmento é tudo que é construído, criado e acreditado por nós, portanto, invenção nossa. Ação é agir com inteligência. Engana-se quem pensa que inteligência tem a ver com pensamento, com teorias, com invenções humanas. Inteligência não é aquilo adquirido através do conhecimento, da comparação, de mente uma fragmentada, não vem do esforço. É natural, nova, espontânea. Vem de um lugar onde não existe a dúvida, nem o medo. É sempre correta e adequada. O esforço de qualquer espécie só reforça o fragmento, ou seja, as construções mentais, as interpretações, as ideias, os pensamentos, é sempre conflito, subjetivo. Fragmento é conflito. Controle é conflito. Todos os esforços: controle, autocontrole, disciplina para alcançar um objetivo, força de vontade, não levam à liberdade. A liberdade é ação e não reação. Somos fragmentados, visto que os pensamentos são sempre fragmentos, estamos presos às nossas próprias ideias e interpretações, vamos de uma ideia a outra pensando e tentando encontrar segurança e certeza, tentando alcançar um objetivo, não conseguimos viver sem ter objetivo e é justamente isso que nos impede de sermos livres, de agirmos. Queremos controlar tudo e vamos criando nossas teorias de como ser e agir no mundo, mas na verdade nunca estamos agindo, somente reagindo. Já sabemos que estamos sempre procurando segurança, mas usamos o pensamento que é fragmento para tentarmos alcançá-la. A mente procura segurança em coisas que não são seguras: ideias, interpretações, pensamentos, ou seja, nos fragmentos. Não vemos que a verdadeira segurança é saber que não existe segurança onde não há inteligência. Como já vimos os pensamentos se alteram o tempo todo, as coisas acontecem sem nosso controle e procurar segurança onde tudo muda o tempo todo, não tem o menor sentido. O entendimento de que a vida é incerteza, dá a certeza e a segurança que a mente tanto procura. A segurança total é a total insegurança. Segurança significa estar num estado em que não existe qualquer escolha, somente ação. A escolha implica conflito, a ação não. A escolha é uma reação. É nesse lugar, fora do domínio da mente, do tempo e do pensamento que a ação acontece. A mente não está ruminando nada, nem criando hipóteses, está quieta, assim age. Segurança é ação, ação é liberdade e liberdade é inteligência. Deneli Rodriguez. 05.04.2017. |
AutoraDeneli. Histórico
February 2024
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